Eu sou Kamataichi, o espírito de Vingança, dos sussurros que os ventos levam. – Disse o alto homem ruivo se apresentando, enquanto encarava Valery. Em seguida se dirigiu a Claremont. –Se eu dissesse que vim aqui para levar a cabeça da Princesa, o que você faria?
Claremont não demorou a responder. – Eu o eliminaria aqui e agora. Mesmo sendo você.
Kamataichi abaixou a cabeça e sorriu. Em seguida um vento forte começou naquela região, parecia que o vento criava uma redoma, ninguém poderia entrar ou sair daquele lugar. Valery se afastou um pouco, mas encontrou uma parede, feita de vento se movimentando constantemente e a impedindo de progredir.
Claremont rapidamente entendeu a situação a partiu pra cima de Kamataichi, tentou acertar um soco, mas foi repelido por vento, então Claremont estendeu seu braço esquerdo para o lado e invocou algo com as seguintes palavras: – “Sinto muito meu mestre, mostre seu favor novamente a um escravo falho como eu e me abençoe com o poder de destruir o meu inimigo. Venha, Espada da penitência”. E nesse instante, uma espada foi ganhando forma, era uma espada longa e larga, de dois gumes, era um metal brilhante, mas emanava uma aura roxa. Valery sentia também tristeza vindo daquela espada, bem como de Claremont.
Kamataichi se afastou por um momento. E começou o que parecia uma prece de invocação, idêntica à de Claremont: – “Hoje não é um dia diferente. Que a dor e o desespero sejam dilacerados por essas mãos que destroem. Que os ventos das profundezas da Khamala Taj se tornem parte de mim. Venha Ceifadora Escarlate.” – Aos poucos uma grande Foice se materializou nas mãos de Kamataichi. O cabo era longo o suficiente para ser maior que o próprio portador. E sua lâmina era de um metal vermelho como sangue. Emanando uma aura vermelha. Valery sentiu muita raiva vindo dali.
Kamataichi e Claremont começaram a trocar golpes com suas armas, mas depois de algum tempo, Claremont estava ofegante e parecia cansado.
O ruivo começou a desdenhar dele. – Você já foi melhor, velho amigo. Antigamente você conseguia aguentar mais do que apenas ficar se defendendo. Vai ficar pra sempre na defensiva? Será que você está fraco demais para proteger a Princesa? Que vergonha, você já foi nosso líder, hoje não passa de um velho aposentado.
Kamataichi avançou em direção de Claremont e com um golpe o desarmou, com um segundo golpe o derrubou, usando apenas o cabo da foice.
Deixando de lado seu adversário, Kamataichi se dirigiu até onde estava Valery. Ele apontou sua foice para ela, mas ela o encarou de volta. Ele pensou em falar algo mas hesitou. Então ela puxou o assunto. – Por que toda essa raiva? Eu nem te conheço. Você pode por favor parar de lutar com meu amigo? – Kamataichi ficou sem graça e toda aquela raiva que ele emanava sumiu. Valery continuou. Não há motivos para vocês ficaram lutando com essas coisas perigosas. Você disse que o Sr Claremont já foi seu amigo, líder, ou algo assim. Se isso é realmente verdade, você não está realmente feliz por lutar com ele. Além disso você diz que veio levar a minha cabeça. Mas a minha cabeça está aqui. – Kamataichi, olhou no fundo dos olhos dela como se estivesse tentando falar algo mas permaneceu quieto. Enquanto Claremont se levantava Valery se colocou entre os dois. – Sr Claremont, eu te proíbo de continuar essa luta. Claremont ficou sem reação, baixou a guarda e abaixou a cabeça, em seguida se ajoelhou e pediu desculpas.
Valery então se dirigiu a Kamataichi. – Você, ainda pretende lutar? Se for o caso, lutará comigo. Eu não tenho uma espada nem nada disso, então provavelmente você me mataria. Mas me prometa que não vai fazer nada com Claremont. Ele já está triste demais. – Ela concluiu olhando diretamente nos olhos de Kamataichi, com profunda determinação.
O cavaleiro ruivo, bateu com o cabo de sua foice no chão, ajoelhou-se e começou a chorar. Valery não entendeu nada. Nesse instante, o vento que havia criado uma redoma no local se dissipou. A foice de Kamataichi desaparecia gradativamente, assim com a espada de Claremont. Valery percebeu que o confronto havia acabado. Se aproximou de Kamataichi, se agachou em frente a ele, levantou seu rosto, e perguntou se estava tudo bem.
Kamataichi se jogou pra trás se afastando. E um vento começou a envolvê-lo até que desapareceu. Mas deixou um recado ao vento, que chegou até Claremont e Valery: – “Você precisa contar a verdade a ela. Outros estão vindo.”
Claremont olhou para Valery e ela disse apenas que era melhor eles irem pra casa.
Ao chegar no rancho, as atividades já haviam acabado, e os funcionários já haviam deixado o lugar.
Claremont estava sentado no sofá da sala tentando descansar de toda aquela tensão. Valery então, foi até a sala. E disse: – “Então, por onde a gente começa?”
Apesar de tudo aquilo que aconteceu ela estava calma. Uma pessoa normal estaria surtando, mas Valery era forte. Claremont estava impressionado.
– Bom, se prepare, pois, a história pode ser um pouco demais até pra você. – Disse Claremont.
– Não se engane, Claremont. – Minimizou Valery. – Eu não fui totalmente honesta com você. Meu pai me contou sobre você, sobre mim, sobre o Reino de Heart e sobre um tal poder de feelings, ou algo assim.
Claremont ficou chocado e impressionado. – Então esse tempo todo, você tinha uma boa ideia do que estava acontecendo. Isso explica muita coisa. – Então, Senhorita Valery, digo, Primeira Princesa de Heart, eu, Claremont da Lamentação, estou aqui para sua proteção, aos seus serviços e sob suas ordens. Recebi instruções de Heitor para que eu a levasse em segurança ao Reino de Heart e a protegesse. Você é última esperança do reino.
– Sua alteza, logo completará 20 anos, e terá a idade exata para assumir o trono de Heart. No entanto, a rainha atual, Sansara, não tem a intenção de entregar o reino pacificamente. Por 20 anos ela vem dominando o povo com violência e tirania. Como você deve saber, Heitor era seu pai adotivo, mas ele também era irmão do seu verdadeiro pai, o Rei Havox. Heitor também é o ex-marido de Sansara. Sansara é uma bruxa poderosa, irmã da sua mãe Serena. Seu pai e seu tio, foram parte de um casamento arranjado. Com as irmãs Sansara e Serena, filha do antigo rei de Heart, Cruxios. Sansara se casou com Heitor, mas ficou ressentida quando soube que Havox seria o herdeiro do trono. Ela queria ser rainha. E faria qualquer coisa para conseguir. Até mesmo assassinar a própria irmã, o marido, o cunhado e a sobrinha. Havox só conseguiu salvar sua preciosa filha, e confiou a segurança dela aos seus súditos mais leais. Eu mesmo escoltei Heitor e a princesa Aurora, para esse mundo. E fiquei por aqui protegendo vocês o lado de fora da barreira. Enquanto a barreira de Heitor, que era um mago alquimista genial, protegia vocês aqui dentro. Está acompanhando, princesa? – Perguntou o cavaleiro.
Sim, estou entendendo, mas é muita coisa pra assimilar. Eu ainda não consigo me acostumar a me chamarem de princesa. E além disso, eu não acho…
Um barulho interrompeu a conversa, parecia uma janela da cozinha sendo quebrada. Eles se levantaram e foram até a cozinha, depois saíram para o lado de fora da casa. Parecia que não havia ninguém ali, mas tanto Claremont quando Valery conseguiam sentir uma presença, Valery sentia um medo, que não era dela, era de outra pessoa. Então apareceu uma mulher vindo da parte de trás da casa. A mulher era muito bonita, com cabelos loiros, não muito longos, e seus olhos eram amarelos, ou talvez, estavam amarelos. – Esta é uma propriedade particular, o que quer aqui, moça? – Perguntou Valery.
A mulher pareceu ignorar, e caminhou em direção a Valery, enquanto dizia alguma coisa que ninguém conseguiu entender. Mas era uma invocação, pois naquele momento, uma espada longa e estreita surgiu, com uma lâmina azulada e muito bonita. Ela tentou acertar a princesa, mas Claremont se pôs a frente defendendo com sua própria espada.
Ao cruzarem espadas, o impacto afetou toda a área, e o céu no alto parece se partir, mas logo as nuvens se juntaram novamente e começou a chover. A mulher continuou a enfrentar Claremont com muita disposição, e o cavaleiro começou a dar sinais de cansaço. Em um momento decisivo, a Mulher conseguiu se livrar dos ataques de Claremont e o golpeou com intensidade o suficiente para jogá-lo a uma distância considerável. Então a mulher foi em direção a Valery, mas quando percebeu que Valery a encarava com um olhar determinado ela parou.
– É difícil, não é? Esse olhar superior e ao mesmo tempo reconfortante. Desista, Visyr, você não tem chance contra ela, nem contra mim. – Uma voz parecia que parecia ser trazida pelo vento ameaçava a mulher que foi identificada como Visyr. Valery reconheceu aquela voz. Quando de repente um vento intenso se abateu sobre todos e formou uma redoma, mantendo Valery e Visyr do lado de dentro, mas Claremont ficou de fora.
– Então você decidiu virar um cachorrinho da princesa, Kamataichi? Disse a mulher invasora.
– Não é tão simples quanto parece, mas essa garota é a nossa princesa, você devia respeitá-la um pouco mais. Alguém da sua posição não deveria sequer pensar em levantar sua espada contra ela. Mas quem sou eu pra falar, não é mesmo? – Disse Kamataichi.
O cavaleiro ruivo partiu com ferocidade para cima de Visyr, ela mal conseguia se defender, e ele aumentava a velocidade e intensidade dos golpes. Até que a desarmou, e a espada de Visyr foi aos poucos se dissipando.
– Agora você precisa pagar por sua insolência com sua vida. – Disse Kamataichi.
– Pare! Não a mate! – Disse Valery.
Kamataichi protestou. – Com todo respeito, sua alteza. Se a deixarmos ir, ela voltará mais preparada. E não sabemos o que pode acontecer se eu não estiver por perto e você depender apenas do incompetente do Claremont.
– Então fique por perto. – Respondeu a princesa.
Kamataichi então recuou, dissipou sua foice e desfez a sua redoma. – Agradeça a bondade da princesa e lembre-se bem desse dia, pois eu não prometo que na próxima irei obedecer, mesmo que seja a minha princesa quem ordena.
Visyr então se tornou água e se espalhou pelo local, sumindo.
Claremont que estava do lado de fora da redoma agora viu como as coisas acabaram. – Então você resolveu mudar de lado. Parece que não é tão cabeça dura quanto antes, os anos de experiência devem ter sido um bom remédio, ou será que os sentimentos calorosos da princesa o alcançaram? – Dizia Claremont.
Você está muito disposto e tranquilo pra alguém que tomou duas surras no mesmo dia de seus ex subordinados. – Respondeu Kamataichi com dendém.
Vocês parem agora mesmo de trocar farpas, vamos entrar, vou fazer um chá para nós três. – Disse a Princesa. Ambos obedeceram, embora Kamataichi estivesse claramente desconfortável. – E outra coisa, você me deve pela janela quebrada. – Disse ela com um sorriso caloroso. E obrigado por avisar do perigo. – A princesa concluiu.
Enquanto os dois se sentaram a mesa, Valery preparava o chá, e Kamataichi parecia inconformado. – Não está certo! Por que a minha princesa está me servindo chá? Além disso, ela disse mais cedo que você era um amigo dela. Você não sabe fazer nada direito, precisa contar as coisas pra ela!
Claremont sorriu e respondeu. – Mesmo um cabeça de fósforo idiota como você já deve ter percebido. Ela simplesmente não se importa. Essa é a nossa Princesa.
Valery então serviu chá a ambos e se sentou na cadeira do meio, com os dois ao seu lado, um de cada lado.
– Bom, a primeira coisa que eu quero saber é: que tipo de feelings são vocês. Podem me dizer?
Kamataichi se assustou com a forma direta em que ela abordou o assunto, mas respondeu. – Eu sou o feeling da Vingança, represento o sentimento do seu verdadeiro pai, de se vingar da Rainha Sansara por tudo que ela fez. Mas quando ele se foi e eu a perdi, vaguei sem rumo. Até que o Valete de Copas, me capturou e me colocou a serviço da rainha, então eu passei a ser o feeling de vingança da rainha. E fui enviado para te matar. Mas durante o confronto, meu espírito de vingança ficou confuso, e de alguma forma, eu voltei a ser o espírito de vingança de seu pai. – Concluiu o cavaleiro ruivo.
– Isso é muito bom! Certo? – Perguntou a princesa.
– É bom e ruim. – Respondeu Claremont.
Então ele começou a explicar. – Apenas algumas pessoas especiais podem produzir os feelings, que são a personificação dos sentimentos de alguém. No reino de Heart, as únicas pessoas que podiam criar feelings eram da família real, o Rei Havox, e o Arquiduque Heitor, e suas esposas, Serena e Sansara. Aliás as habilidades delas que foram determinantes para que fossem levadas para o castelo para se casar com os filhos do Rei Cruxios. Poucas pessoas fora da família real nascem com esse poder. Kamataichi era o feeling de Vingança do Rei Havox, quando o rei se foi, ele ficou vagando. Um feeling deixa de existir quando fica muito tempo longe de seu mestre ou quando seu mestre morre. E também é possível um feeling ser adotado por outra pessoa que possa criar feelings. Foi isso que a rainha Sansara fez, ela adotou Kamataichi como sua vingança, e o direcionou a você. Fez o mesmo com Vizyr. Agora que Kamataichi voltou a ser um feeling do rei, ele provavelmente irá desaparecer aos poucos, perdendo suas forças, assim como está acontecendo comigo. – Concluiu Claremont.
– Então você está morrendo Claremont? – Perguntou a princesa desesperada.
– Vocês não podem morrer, deve haver algum jeito. – Ela gritou, mas nenhum dos dois respondia.
– Entendo. Mesmo assim eu prometo a vocês, eu vou dar um jeito nisso. – Valery fez uma promessa difícil.
– Não se preocupe conosco. Fizemos nossas próprias escolhas. – Respondeu Kamataichi.
– Bom, a gente deveria ir pra o Reino de Heart, tenho certeza que todas as suas dúvidas e respostas se esclarecerão. – Disse Claremont.
– Ir para Heart? Não sei se estou preparada. – Disse a princesa relutante.
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